Reflexão Teológica sobre a Solenidade de Pentecostes
“Nas suas origens, a solenidade judaica do Pentecostes era uma festa agrícola em que se ofereciam a Deus os melhores feixes da colheita. Chamava-se então festa da Colheita. Era uma festa de alegria e de encontro das famílias e também de partilha com os mais necessitados. Era celebrada 7 semanas (50 dias) depois da Páscoa, como que encerrando as solenidades pascais. Por isso, também se chamava festa das semanas (cf Dt 16,9-12). “Parece que foi a partir das reformas de Esdras e Neemias, em meados do século V antes de Cristo, que a festa de Pentecostes passou a celebrar o dom da Lei no Sinai, a festa da Aliança entre Deus e o povo (Leia Ne 8. Observe, nos versículos finais, o tom alegre da solenidade)”.
Pentecostes era uma festa anual de peregrinação. A ela fazia-se presente não somente os judeus que viviam na Palestina, mas também os judeus que viviam na diáspora. O judaísmo tornou-se uma religião transnacional. Este fato deve-se à adesão à fé monoteísta e a fidelidade aos elevados valores morais da Torá.
Ao falar em Pentecostes, Lucas quer destacar: a presença do Espírito Santo guiando a missão dos evangelizadores no anúncio da palavra de Deus. “A Lei foi dada no Sinai entre trovões, relâmpagos, nuvens, som de trombetas, fumaça e fogo. Javé falava a Moisés no trovão (cf Ex 19, 16-19). São imagens para falar da presença de Deus. Segundo uma tradição judaica (extra-bíblica), a voz de Deus no Sinai dividiu-se em 70 línguas, de maneira que cada nação recebeu os mandamentos na sua própria língua. Em Atos dos Apóstolos, o Espírito Santo vem do céu, ruidosamente, como que numa ventania, tomando conta de tudo, na forma de línguas de fogo, pousando sobre cada um”.
Em Atos (2,6.8.11), após ter elencado uma lista de nações estrangeiras que estão em Jerusalém, o texto repete três vezes a expressão: “nós os ouvimos falar em nossas próprias línguas”.
Qual o entendimento que Lucas nos apresenta do falar em línguas? “No tempo do velho Israel, a Lei e os Profetas eram os portadores da palavra orientadora de Deus para o povo. Pela Lei, expressão da aliança com Deus, o povo sabia o que devia ou não fazer para ser fiel. Os profetas denunciavam toda forma de traição àquela aliança. Frente às crises, animavam o povo com o anúncio de um tempo novo e definitivo de paz (leia o belíssimo texto de Jr 31,31-34).” “Agora, com a Igreja, são os discípulos de Jesus os novos profetas que anunciam a palavra de Deus. Não é mais necessária a Lei. E também sua interpretação não é mais fruto do saber de escribas e doutores. É o próprio Espírito de Deus quem guia os discípulos em sua missão de anunciar. É por isso que Pedro, um simples Galileu, pode interpretar as profecias messiânicas de Joel o tempo em que o Espírito de Deus é derramado sobre toda criatura (cf At 2,16-21)”. “Com a Igreja, esse tempo novo e definitivo se torna presente entre os homens. A aliança com Deus não é mais privilégio do velho Israel. O novo Sinai é de todas as nações, porque o Espírito Santo porta uma linguagem que todos podem entender. O novo Pentecostes é uma Babel ao contrário. Em Babel (cf. Gn 11,1-9), um espírito contrário ao projeto de Deus acabou planejando a construção idolátrica com a conseqüente dispersão dos homens. Em Pentecostes, o Espírito Santo protagoniza um projeto que é capaz de unir a todos”.
Quando lemos os evangelhos de João e de Lucas, iremos ver que João e Lucas possuem perspectivas diferentes para o acontecimento de Pentecostes. Para João ele acontece no próprio dia da ressurreição, ao passo que para Lucas, a vinda do Espírito Santo coincide com a festa judaica de Pentecostes, cinqüenta dias após a Páscoa.
“Fazendo coincidir Páscoa e efusão do Espírito Santo no mesmo dia, o Evangelho de João quer sublinhar a continuidade entre Jesus seus discípulos. O Espírito que agiu permanentemente em Jesus é comunicado aos seguidores no mesmo dia da ressurreição sem pausas e interrupções”.
O fato se dá na tarde do domingo da Páscoa. “Para João, contudo, é ainda o dia da ressurreição, a nova era inaugurada pela vitória de Jesus sobre a morte”.
Quando se releva o fato de as portas estarem fechadas, destacam-se dois aspectos: o negativo (o medo dos discípulos) e um positivo (o novo estado de Jesus ressuscitado, para quem não há barreiras).
Por meio deste texto de João, podemos afirmar que Jesus Ressuscitado não pode ser anunciado apenas em seu aspecto glorioso. As cicatrizes são memória permanente das torturas sofridas.
Concluindo, afirmamos: “Para João a comunicação do Espírito acontece aqui, na tarde do dia da ressurreição: “Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: Recebam o Espírito Santo!”(v.22). O sopro de Jesus é a nova criação e remete ao que Javé fez quando criou o ser humano (cf. Gn 2,7). É o sopro da vida nova. Aqui nasce a comunidade messiânica”.
Para um aprofundamento espiritual sobre o significado de Pentecostes, é bom refletir mais três aspectos, isto é: “O Espírito Santo nas Escrituras judaicas”. “O Espírito Santo é o espírito de Deus que é santidade em pessoa. O Espírito Santo é o próprio Deus, no seu modo de ser, na sua identidade. E o modo de ser de Deus é ser criador. E é salvador, porque o criador não deixa que se perca a sua criação. Por isso, podemos afirmar que o Espírito Santo de Deus está presente na criação do mundo (Gn 1,2). O Espírito age em Moisés na experiência do êxodo (Ex 4,11-12). Deus, no seu Espírito de Santidade, estabelece com Israel uma aliança (Ex 19,16 a 20,21). O Espírito Santo está presente nos auxiliares de Moisés na luta pela terra (Jz 11, 29; 15,14). É o mesmo Espírito Santo que seduz os profetas para missões nada fáceis (Is 6,7-8; Jr 1, 4-10; Ez 2,1-5).É o Espírito de Deus quem alimenta a esperança do povo por tempos melhores (Is 11, 1-9; Jl 3, 1-5)”.
O povo do antigo Israel sempre teve a convicção, de que o Espírito Santo sempre esteve junto a eles em sua história. A sabedoria se identifica com o próprio Deus e com seu Espírito agindo na história (Leia Sb 7,22 a 8,1. É aconselhável ler a belíssima passagem de Sb 10, 1,21, e comparar Ex 4,12 com Sb 10,16. Por tudo isso, o sábio poderá dizer a Deus: “Teu Espírito incorruptível está em todas as coisas”(Sb 12,1).
O segundo aspecto a ser refletido é: “O Espírito Santo nas Escrituras cristãs”. “Também nas escrituras cristãs são inúmeras as passagens que falam do Espírito Santo. Assim, já no primeiro escrito do Novo Testamento, o apóstolo Paulo diz: “O nosso anúncio do evangelho aconteceu entre vós não só com discurso, mas com poder, com Espírito Santo e com muita força de persuasão” (1 Ts 1,5). De muitos outros modos Paulo se refere ao Espírito Santo: fala dos dons de Deus “com palavras aprendidas do Espírito” (1 Cor 2,13); fala de um mesmo Espírito que se manifesta na diversidade de dons (1 Cor 12,1-11); até mesmo o afirmar que “Jesus é o Senhor” é dom do Espírito (1Cor 12,3). Paulo propõe uma maneira de viver “segundo o Espírito” (Rm 8,1-11). O Espírito Santo está tão unido ao projeto de Jesus, que Paulo o chama de “Espírito de Cristo”(Rm 8,9), “Espírito do Senhor” e “Espírito de liberdade” (2Cor 3,17)”.
“Nos evangelhos, o Espírito Santo é aquele que desce sobre Jesus no batismo, que o prepara no deserto, que o unge na sua escolha de proclamar a boa nova aos pequenos (cf. Lc 3,21 a 4,19). O evangelho de João chega a brincar com as palavras ao falar do Espírito que une na intimidade Jesus e o Pai. Toda a vida de Jesus é dom do Espírito de Deus Santo. Deus, em seu Espírito de santidade, nos dá Jesus-esse Jesus que tem o Espírito de Deus sem parcimônia (cf. Jo 3,34). E Jesus, na entrega de sua vida até a morte, nos “entrega” o Espírito (cf. Jo 19,30)”.
O terceiro aspecto a ser refletido é: “Os Sinais do Espírito no Livro de Atos”. “No livro de Atos dos Apóstolos, o Espírito Santo protagoniza tudo: unge os discípulos de Jesus para a missão e lhes concede muitos dons: o dom de testemunhar sua fé por palavras e milagres, a referência nova de vida em comunidade, a orientação para tomar o rumo dos pagãos e anunciar a boa nova a todas as nações, a fortaleza para não desanimar diante das perseguições. Em Atos, é o Espírito Santo quem abre os olhos do Paulo perseguidor fazendo dele grande missionário (cf. At 9,17-19); é o Espírito quem impulsiona o crescimento da Igreja (cf. At 9,31), antecipando-se a ela e aos seus sinais de pertença (cf. At 10,47 e 15,8-9). É, enfim, a Divina Luz das grandes decisões (cf. At 15,28-29)”. “Em resposta, os discípulos vivem “conforme o Espírito”. Viver segundo o Espírito é “uma maneira de viver” (At 5,20), é o caminho. Em At 9,2, os cristãos são expressamente chamados de “seguidores do caminho”. Nos primeiros capítulos, falando do testemunho em Jerusalém, o livro de Atos aponta dois sinais expressos dessa maneira de viver conforme o Espírito: a fidelidade ao projeto de Jesus e a vida em comunidade”.